A interminável luta, mãos
entre mãos, a voz
nos olhos de ambos, quando os lábios
estão calados
Jacob e Anjo, a luta
recomeçam golpe a golpe
anjos sem armas
no bálsamo da noite, na íntima
tessitura
da música da água.
11/7/2011
Vejo no pincel de Velasquez
a luz branca que penteia
os cabelos das Meninas
como vejo no pincel de Picasso
como vivem
Les Demoiselles d’ Avignon
Não como no pincel de Van Gogh
onde nem sempre os amarelos
são a pura alegria
No pincel de Arles vejo
a dança do vento
na anatomia dos trigos
e o sol que se estende
nas pétalas dos girassóis
e a morte que parte o céu
vejo no pincel de Van Gogh
os corvos e auto-retratos
despenteando o silêncio.
15-3-2011
O mundo mudou-me assim tanto
que já não me reconheces?
Estas sandálias
romperam-me os pés, este dedo
nu sem um anel
estes rasgões são o melhor
do meu vestido, ferido
cada joelho esqueceu as orações
O mundo encheu tanto
os meus olhos, que lhes mudou a cor
o meu rosto ocupa agora
um canto do espelho
Diante de ti, pai, não posso
sequer abrir a boca, a minha voz
é próxima de vidros estilhaçados
Este pulmão a tossir
este rosto cavado, por isso
tu não me reconheces.
12/6/2011
Não, tu não viste nada em Hiroshima
o sol explodindo nos olhos, dentro
da tua cabeça sombras
Tu não viste nada a acontecer
o nada de Hiroshima, nem a fissão
do Amor
Nada viste em Hiroshima
Dez mil sóis de temperatura
a cobrir a morte
como um lençol de cinza.
29/10/2010
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Ruy Belo
Centauro oposto ao mito
espera
o gato espera ser admitido
pela academia das ciências
– o gato não emana das árvores
o gato é aqui o focinho
pontiagudo, a ponta
de um ramo da árvore, sem tumulto
como os pássaros, o gato
alto-relevo de si próprio
nasce do silêncio vegetal.
24/9/2010
18/7/2010
Com o poder da mímica
inventarei um outro
que do lado de fora da prisão
dos dedos
encherá a minha solidão
O seu silêncio alegre
em círculos
caminhando, será o vento
que veste as minhas mãos
será um cavalo ou uma estrela
uma mulher num rio
será um outro
que corre de mim
e cresce, move e reina
num sorriso de menino.
16/9/2010
por cima
do arco das tuas sobrancelhas
a impedir o trânsito
do Amor
não podes ficar com essa dor
qualquer inaudito
que sobe das caves do teu peito
Não podes ficar com esse gume
de faca, que te espeta
o lado esquerdo, sob os seios
não podes arder nessa febre
que adormece nos teus olhos.
17/9/2010
As nuvens manchadas
pela água permanente:
esperam aspersão.